O escocês Eric Temple Bell publicou em 1937 Men of mathematics (Homens da matemática), livro que seduziu gerações. Quando jovens, celebridades como o Nobel de Economia John Nash (inspiração do filme Uma mente brilhante) ou o matemático Andrew Wiles (conhecido por demonstrar o Último Teorema de Fermat) foram atraídos para a matemática pela leitura de Bell. Ele tinha certo desdém pelo rigor histórico, apreço pelos detalhes biográficos mais provocativos e um estilo incomparável. Em quase 700 páginas, biografou três dúzias de matemáticos. Com exceção de três gregos antigos, todos europeus da Era Moderna. Apenas uma mulher: a russa Sofia Kovalevskaya (Sonja Kowalewski, depois de mudar para a Suécia), sobre quem escreveu: “O sexo de Sonja tirou o melhor de suas outras ambições, e ela vivia feliz com o marido”. Por mais que Bell, ele próprio matemático, tivesse profundo conhecimento do tema e talento literário ímpar para esmiuçar conceitos complexos, um livro com frases assim não resistiria à evolução dos costumes.
Semanas atrás, o matemático britânico Ian Stewart publicou sua resposta a Bell: o livro Significant figures (ainda sem tradução no Brasil, o título, um jogo de palavras, significa Figuras significativas ou Números significativos). Stewart é um dos mais brilhantes popularizadores da matemática em atividade, autor de best-sellers como 17 equações que mudaram o mundo, O fantástico mundo dos números, Almanaque das curiosidades matemáticas e Os mistérios matemáticos do professor Stewart, uma brincadeira com histórias de detetives, em que a dupla Hemlock Soames e o doutor Watsup desvenda enigmas e quebra-cabeças lógicos (todos lançados no Brasil pela Zahar). Em seu novo livro, dirige-se a um público mais sofisticado. Não é necessário ter conhecimentos matemáticos para entendê-lo, nem para obter uma noção de como o conhecimento evoluiu em dois milênios e meio. Mas é ilusão crer que um leigo saia da leitura dominando as sutilezas da hipótese de Riemann, da conjectura de Poincaré (hoje já demonstrada) ou do teorema de Gödel. O objetivo de Stewart é outro: descobrir que tipo de gente se destaca na “rainha das ciências” e por que alguns levam um jeito natural para a coisa.
“Fisicamente, não nascemos iguais. Mas, por algum motivo, muitos parecem imaginar – ou querem imaginar – que mentalmente somos. Isso faz pouco sentido”, escreve. “A habilidade matemática extrema não parece ter relação com nada. Surge ao acaso.” Por isso mesmo, ao escolher 25 vidas para contar, Stewart adotou o princípio oposto a Bell: a diversidade. Além de Sofia, primeira mulher a romper todas as barreiras acadêmicas impostas às cientistas no século XIX, escolheu duas outras figuras femininas: Ada Byron Lovelace (considerada a primeira programadora) e Emmy Noether (cujas contribuições foram fundamentais para a física). Entre os demais, há um chinês (Liu Hui), um egípcio (Al-Khwarizmi), dois indianos (Madhava e Ramanujan) e apenas um grego antigo (Arquimedes). Das figuras previsíveis – Newton, Gauss, Fermat, Euler, Galois, Hilbert e Poincaré –, deixou de fora três essenciais: o grego Euclides e a dupla Descartes e Pascal, cuja disputa intelectual no século XVII é capítulo obrigatório não só na história da matemática, mas de todo o pensamento. Também omitiu nomes representativos na evolução da probabilidade e da estatística. Preferiu, em vez disso, aqueles cruciais para o desenvolvimento da lógica e da computação modernas, como Turing e Gödel. Incluiu, por fim, dois americanos mortos recentemente, representantes de tendências novas como a geometria fractal.
Há de tudo entre os escolhidos: pobres e ricos, intelectuais e simplórios, elite e povo, ateus convictos e religiosos devotos, revolucionários e conservadores, doidos e pacatos, excêntricos e normais. Alguns terminam a vida em velhice tranquila, outros em tragédias como duelo, suicídio ou doenças resultantes da dedicação ao trabalho. Nem todos sabem fazer contas de cabeça ou têm memória prodigiosa. Mas são, sem exceção, obsessivos. Tentam equilibrar as duas naturezas fundamentais do pensamento matemático: o rigor com detalhes lógicos formais e a intuição profunda, expressa na imaginação e na capacidade incomum de visualização geométrica. De acordo com Stewart, mais de 90% dos matemáticos raciocinam visualmente, apenas 10% formalmente. “Eles estudam duro, porque mesmo o talento natural exige muito exercício para se manter saudável”, escreve. “Amam a matemática. São obcecados por ela. Não sabem fazer outra coisa. Desistem de profissões mais lucrativas, desafiam o conselho da família, insistem mesmo quando são considerados loucos, estão dispostos a morrer sem reconhecimento nem recompensa. Dão aula por anos a fio sem receber, só para poder entrar por baixo na carreira. São figuras significativas porque têm motivação. O que os faz ser assim? É um mistério.”