Rotulado como animal pré-histórico, o crocodilo pode ser considerado como um dos animais mais bem-sucedidos do planeta. A forma atual da espécie mais comum africana – o crocodilo-do-nilo ou Crocodylus niloticus – não difere muito do extinto crocodilo-imperador, um gigante que viveu há 110 milhões de anos no mesmo continente.
Mesmo se o tamanho do maior crocodilo-do-nilo chega hoje apenas à metade dos 12 metros de comprimento que teria o Sarcosuchus imperator do período Cretáceo, o réptil continua sendo o maior predador africano de água doce. Seu habitat já foi bem mais amplo e abrangia toda a bacia do rio Nilo, incluindo o delta do rio e a costa do Mediterrâneo. Hoje ele é encontrado na África subsaariana, da África do Sul ao Sudão e do Senegal à Moçambique, incluindo a ilha de Madagascar.
No topo da cadeia alimentar nas águas africanas, o crocodilo-do-nilo é um predador alfa. Apesar de passar grande parte do tempo imóvel, o animal está consciente do que acontece ao seu redor e pode atacar assim que uma presa entre dentro de seu raio de ação. Ele é generalista em seu cardápio e come de tudo: peixes, mamíferos, aves e até outros repteis. Suas mandíbulas são poderosas e seus dentes cônicos e pontiagudos atravessam qualquer pedaço de carne. Mas também pode ficar até quase um ano sem se alimentar.
Foi em 1991, no Festival de Filmes de Vida Selvagem de Jackson Hole, nos Estados Unidos, que descobri a ferocidade do crocodilo. Os produtores Alan Root e o casal Mark Deeble e Vicky Stone haviam conseguido filmar imagens chocantes para o documentário “Here be dragons” (Aqui há dragões). As cenas de maior impacto foram registradas quando manadas de gnus atravessavam o rio Grumeti no Parque Nacional Serengeti, na Tanzânia, e eram surpreendidas por enormes crocodilos que estavam à espera. O filme, por seu ineditismo, foi o grande ganhador do festival daquele ano.
Durante minhas andanças na África encontrei crocodilos em diversos países. Em Uganda, tive a oportunidade de fotografar o réptil no próprio rio Nilo Branco, no Parque Nacional das Cascatas Murchison. Deitado sobre uma pedra no meio da correnteza, o animal manteve-se inerte durante o tempo todo que circulamos de canoa em volta dele. Sua boca aberta não era tanto uma exibição de poder, mas principalmente uma maneira de regular sua temperatura interna. Aliás, durante o dia e fora d’água, grande parte dos crocodilos mantem a boca aberta.
Mas foi no Parque Nacional Ruaha, na região central da Tanzânia, que passamos mais tempo observando um crocodilo. O réptil nas águas do rio Ruaha Grande estava com a boca aberta embaixo de uma pequena cachoeira. Desta vez, a posição não era nem para regular sua temperatura (embora a água fria tivesse esse efeito refrescante) e nem para atemorizar outros animais. O crocodilo esperava, pacientemente, que um peixe caísse em sua ampla boca.
Aproveitando a imobilidade do réptil, meu filho Mikael, que me acompanhava na ocasião, resolveu montar o tripé para fotografar a cena em baixa velocidade. Deu certo: com o obturador a 1/13 de segundo, a água parecia uma cortina de espuma branca em movimento contínuo, enquanto que o animal mantinha-se parado de boca aberta. Depois da foto, esperamos longos minutos para ver se conseguíamos ver o momento fatal do crocodilo agarrando uma presa que estivesse no ar ou na água, mas isto nunca aconteceu.
Embora a ilha de Madagascar tenha se desprendido da África há cerca de 135 milhões de anos, acredita-se que o crocodilo-do-nilo, assim como outros animais, tenha podido cruzar o Canal de Moçambique quando a distância ainda não era a atual de 400 quilômetros. Assim, o réptil não teve dificuldade nenhuma em se adaptar aos rios que desembocam na costa oeste da ilha.
Mas os crocodilos mais enigmáticos de Madagascar são os que vivem nas cavernas da reserva natural Ankarana, ao norte. Detestados pelos malgaxes por terem atacado seres humanos e cabeças de gado, os crocodilos foram quase que totalmente dizimados no país nas últimas décadas. A caça, embora ilegal, também rendia outra recompensa: a pele era vendida para a confecção de bolsas e sapatos. Sabendo que cavernas frias não são o habitat preferido do crocodilo, pesquisadores acreditam que os poucos répteis que sobraram decidiram se esconder nas cavernas subterrâneas de Ankarana como uma estratégia de sobrevivência.
O que aconteceu com os crocodilos-do-nilo em Madagascar também ocorreu em outras partes na África. A caça ilegal, a perda do habitat e até mesmo a poluição dos rios são os maiores desafios para a espécie. Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) existiriam entre 250 a 500 mil animais selvagens, mas há centenas de fazendas em diversos países que possuem o direito de procriar o réptil com a finalidade de comercializar a carne e o couro. A espécie, que era considerada “vulnerável” até 1990, não está mais ameaçada de extinção.