Jogos como este e Cuphead mostram que gráficos 2D ainda estão com tudo
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South Park: A Fenda que Abunda Força (ou The Fractured But Whole) é o mais novo jogo baseado no popular desenho animado dos anos 90. Desta vez, as crianças de boca suja de Colorado trocam as espadas por fantasias de super-herói, e a narrativa por um sistema de batalha balanceado.
Se passando um dia depois dos eventos do primeiro jogo, The Stick of Truth, o novo game foca numa sátira mais moderna, com os heróis procurando um gato para ganhar uma recompensa que vai pagar uma franquia à la Marvel. Eles até planejam filmes e séries que só serão lançados daqui a dez anos! A trama começa de forma bem simples e vai se escalando daquele jeito absurdo ao qual nos acostumamos vendo South Park. Lembra daquele especial de Natal onde animais fofinhos da floresta decidiram matar todos os humanos e usar o sangue deles como lubrificante para se divertir com os cadáveres? O jogo não chega a um ponto tão absurdo, mas consegue ser bem vil às vezes.
Às vezes o único jeito de seguir adiante é mudando de direção
A customização da personagem é grande: além das fantasias, que são itens puramente cosméticos, você pode escolher seus poderes, seu gênero, sua classe, sua etnia e ainda instalar artefatos que melhoram seus atributos. As melhorias quase sempre são lentas, então você passa mais tempo se preocupando em fazer as missões e conseguir novas receitas (sim, há um sistema de crafting) do que tentando ganhar XP.
O avanço lento é uma característica que faz A Fenda que Abunda Força mais próximo de um jogo de estratégia do que de um RPG. O design dos encontros é parecido com um puzzle, e todos os ataques possuem uma propriedade numérica certa, sem aleatoriedade na hora de atacar ou defender. Os chefes refletem isso — a maioria não se resume a apenas ter muito HP, e se tornam exercícios táticos muito divertidos.
Mas isso nem sempre é uma coisa boa: Stick of Truth, o jogo anterior, tinha um sistema de combate bem menos elaborado que A Fenda que Abunda Força, mas a quantidade de sistemas mal balanceados (o sistema de Bleed do original, somado às armas que quicavam em inimigos, tornava o jogo uma verdadeira piada) somada à maior variedade de inimigos criava uma experiência mais próxima de RPGs clássicos. É ótimo que o novo jogo tenha um sistema melhor pensado e menos quebradiço, mas há quem prefira o tradicionalismo do original.
Outra coisa que irrita é que alguns elementos humorísticos foram implementados de jeitos que não fazem muito sentido: o sistema de resposta a microagressões tem uma boa introdução, onde você aprende que quem fala que um latino parece cansado merece porrada, mas não passa de um QTE ocasional em algumas lutas; as constantes interrupções para deixar carros passarem ou para ver alguma idiotice do primo do Kyle são engraçadas, mas não depois da milésima vez; o sistema de transversal baseado em chamar seus amigos é extremamente lento, e exige que você escaneie um objeto, chame seu amigo, interaja e participe de um pequeno QTE. É legal, no começo, mas cansa quando você vê que só está abrindo caminhos para um baú com uma fantasia inútil ou um artefato que quase sempre é mais fraco que o que você já tem.
Mas não adianta ficar comparando um ao outro: a verdade é que o sistema de combate deste jogo é provavelmente a melhor parte da experiência. Com conflitos menos constantes e mais foco na preparação, este pode ser o game ideal para quem quer algo estratégico, mas não a ponto de jogar XCOM.
O jogo em si é relativamente curto (mas um pouco maior que Stick of Truth), pois terminei com pouco mais de 12 horas de jogo. Eu acabei perdendo umas duas horas para um bug (que segundo a internet é comum) no qual o ícone de autosave fica na tela eternamente mas não salva nem te deixa salvar manualmente. Aparentemente, o jogo terá uma DLC também. Se for um pacote de expansão com novas áreas e mais oportunidades de experimentar as lutas táticas e inteligentes, melhor ainda.
Adeus, Obsidian
Por mais bizarro que possa parecer, a história não é um elemento tão cativante quanto no jogo anterior. Claro: ainda é South Park. Ainda é supervisionado por Matt Stone e Trey Parker. Ainda vai onde nenhum outro jogo quer ir. Mas no fim das contas, ainda é uma banalização da ousadia de South Park. Cartman é bem mais erudito e limpo do que em qualquer outra iteração no desenho ou em outras adaptações, e você encontra bem mais referências a celebridades que estavam em alta há dois anos do que qualquer comportamento mais polêmico visto antes na série. Obviamente, isso é um reflexo da própria evolução de South Park, que se adestrou com o tempo para ser menos agressiva.
Durante o combate na rua, às vezes você precisa parar para deixar os carros passarem
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O maior problema, entretanto, está no ritmo narrativo: A Fenda que Abunda Força é inconsistente quando se trata do avanço do enredo. Diferente de Stick of Truth, que possuía guias como escolha entre clãs, um grande vilão e a ideia de uma última fase, esse jogo nunca te dá a sensação de um clímax. O grande vilão é arbitrário e possui uma luta insatisfatória, então são poucos os momentos nos quais eu senti que estava chegando a algum lugar na história. Além disso, a falta de elementos centrais e onipresentes para a história, como o Cajado da Verdade ou a gosma de Stick of Truth, fazem com que os arcos da história pareçam muito separados.
Não seja um conformista, cara
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Além disso, as piadas, por mais engraçadas que sejam em seu ápice, muitas vezes não alcançam uma boa nota — um exemplo é a dependência em piadas sobre pedofilia, que é chocante e engraçado da primeira vez, mas perde a inspiração rápido. Já as piadas sobre peidos se saem melhores porque estão mais intrínsecas à história do jogo.
Felizmente, o conteúdo opcional ajuda a esquecer os trancos e barrancos do enredo principal: apesar de não serem lá muito recompensadores, realizar favores para os moradores de South Park sempre rende boas risadas e uma sensação de dever cumprido (de um ponto de vista completionista). Na verdade, eu aceitaria mais jogos recompensando esforço do jogador com boas piadas.
Outra coisa que ajuda é a apresentação, que é ainda melhor que o anterior — quer jogar com a dublagem em português? Você pode. Quer customizar o protagonista com os visuais de super-herói mais bizarros do mundo? Também pode. Quer ouvir músicas memoráveis originais e do desenho? Você com certeza pode. Infelizmente, não descobri como ficar com a cabeça do David Hasselhoff como antes.
Este jogo deturpou minha mente frágil
South Park: A Fenda que Abunda Força não é o melhor jogo do ano. Não é o melhor RPG do ano. Ainda assim, é um dos jogos mais descompromissadamente divertidos que eu joguei neste ano. Você pode terminá-lo em um fim de semana enquanto dá risadas ocasionais e tratá-lo como um episódio de 12 horas de South Park com o humor diluído e um sistema de batalha que vai te fazer querer jogar mais games de estratégia.
Nota 8,0
South Park: A Fenda que Abunda Força- PS4, Xbox One, PC