sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Rio repete roteiro de Brasília

Rio repete roteiro de Brasília




Jorge Picciani, presidente da Assembleia Legislativa do Rio, ao se entregar na sede da PF (Foto: Reprodução / GloboNews)Jorge Picciani, presidente da Assembleia Legislativa do Rio, ao se entregar na sede da PF (Foto: Reprodução / GloboNews)


Jorge Picciani, presidente da Assembleia Legislativa do Rio, ao se entregar na sede da PF (Foto: Reprodução / GloboNews)




O primeiro desdobramento nefasto da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Fedral (STF) no caso do senador Aécio Neves deverá ser sentido hoje na votação da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) a respeito do caso envolvendo três deputados estaduais, entre eles Jorge Picciani, presidente da Casa.




Os três fazem parte do grupo do PMDB que tornou a corrupção no estado um escândalo à parte no contexto da Operação Lava Jato. Só o ex-governador Sérgio Cabral, preso, condenado em três processos cujas pena somam 72 anos, réu em outros 13, é acusado de comandar desvios de R$ 1 bilhão. Ex-secretários estão na cadeia e cinco conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE) foram afastados. Para não falar em Eduardo Cunha ou Eike Batista.




Por unanimidade, cinco desembargadores do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) mandaram ontem prender preventivamente Picciani e os deputados Paulo Mello e Edson Albertassi (líder do governo, cujo nome acabara de ser aprovado em sabatina para o TCE), como resultado da Operação Cadeia Velha, um desdobramento da Lava Jato em que são acusados de receber subornos de R$ 100 milhões por obras no setor de transportes.




O grupo político a que pertencem detém na Alerj mais que os 36 votos necessários para soltá-los. O resultado é tão previsível quanto foi a votação que restituiu o mandato de Aécio no Senado: provável que terminem o dia fora da cadeia. Também é provável que, repetindo à risca o roteiro seguido em Brasília, a Alerj revogue a suspensão do mandato dos três, embora o TRF-2 nem tenha submetido essa decisão à Casa.




O revés da Lava Jato no Rio se completa com a devolução à Procuradoria-Geral da República (PGR) da delação do marqueteiro Renato Pereira, que o ministro do STF Ricardo Lewandowski se recusou a homologar, sob a alegação de que procuradores não podem fixar penas. Na delação, Pereira acusa o ministro do Esporte, Leonardo Picciani, filho de Jorge, de fraudar uma licitação de R$ 55 milhões e relata ilegalidades nas campanhas de Cabral e do ex-prefeito Eduardo Paes.





Outra delação, de executivos da Galvão Engenharia, também foi devolvida ontem à PGR para ajustes, pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato. Ele fizera o mesmo em agosto com a delação do doleiro Lúcio Funaro, que acabou homologada e se tornou um dos sustentáculos da segunda denúncia apresentada pelo então procurador-geral Rodrigo Janot contra o presidente Michel Temer, depois suspensa pela Câmara.




O juiz Marcelo Bretas, responsável pela condução da Lava Jato no Rio, diz que a operação tem metade da velocidade que poderia ter no estado. “Estamos há meses aguardando providências de instâncias superiores”, disse ao jornal O Globo, em referência à homologação das delações.




Os percalços da Lava Jato levaram ontem a nova procuradora-geral, Raquel Dodge, a enviar uma manifestação ao STF em que se coloca contra a revisão da decisão que estabeleceu a possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância.




O juiz Sérgio Moro já declarou que, sem esse recurso, a legislação favoreceria os réus e provocaria um baque irremediável na Lava Jato. Ele não disse, mas implicitamente está claro: se só começarem a cumprir penas depois de condenados na terceira instância, os acusados têm menos chance de delatar e de entregar novos esquemas de corrupção.




O ministro Gilmar Mendes, que votou pelo cumprimento após a decisão na segunda, deverá voltar atrás caso o tema volte a ser julgado. Ele tem defendido a prisão após a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O ministro Alexandre Moraes, que não estava presente na votação sbre o assunto, também tem votado em favor dos réus nas últimas decisões do STF. Os dois votos bastariam para mudar o entendimento do Supremo.




Dodge argumenta que o cumprimento da pena depois da decisão na segunda instância, como na maioria dos países, não fere o direito de defesa dos réus. “Dificilmente se estará levando à prisão alguém que será absolvido pelos tribunais superiores”, escreveu.





Voltar atrás na questão representaria, diz ela, um “triplo retrocesso”: mudar a jurisprudência em menos de um ano, reduzir a eficácia das sanções penais e ferir a credibilidade da Justiça. Assim como a decisão de submeter às casas legislativas decisões sobre prisões e suspensão dos mandatos, o STF ampliaria ainda mais a sensação de impunidade.




Bretas afirmou que “essa situação, aliada ao foro privilegiado, poderia criar categorias de pessoas imunes ao direito penal”. Poderia criar não. Já criou. A categoria está aí. No Senado, na Assembleia Legislativa do Rio e onde mais os corruptos se vejam protegidos pelo foro privilegiado para cometer crimes sem punição.