terça-feira, 28 de novembro de 2017

Projeto de lei incentiva doações para instituições sem fins lucrativos

Projeto de lei incentiva doações para instituições sem fins lucrativos

Caixa de doação no Aeroporto Internacional de Jeju, na Coréia do Sul (Foto: Project Manhattan - Wikimedia Commons)

No Brasil temos alguns projetos de lei em andamento para a regulamentação dos endowments, os chamados fundos patrimoniais. Entre eles, merece destaque o de autoria da Senadora Ana Amélia, que atualmente tramita na Câmara dos Deputados. Inicialmente, o projeto estabelecia que apenas universidades públicas poderiam ter fundos patrimonias, mas o substitutivo aprovado no Senado Federal, apresentado pelo Senador Armando Monteiro, passou a facultar a aplicação da lei às instituições publicas culturais e às associações e fundações (tipos jurídicos de organizações sem fins lucrativos). O projeto determina, ainda, que os fundos patrimoniais sejam criados em fundações privadas com objetivo exclusivo de captar e gerir doações e cria um incentivo fiscal para pessoas juridicas e pessoas físicas sem ampliar a renúncia fiscal já prevista na legislação atual.


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Este projeto de lei é um avanço e sua discussão no Senado Federal e na Câmara dos Deputados já amadureceu bastante. O incentivo fiscal previsto, além de não ampliar a renúncia fiscal, traz em si um conceito importante: permite ao doador fazer uma doação livre à instituição escolhida, independentemente de projetos anuais previamente aprovados por um órgão público. Essa lógica é coerente com o conceito do fundo patrimonial, que mira o longo prazo, ao contrário dos projetos anuais, que captam recursos para o curto prazo. Além disso, garante a autonomia da instituição, ao lher dar liberdade para atuar, dentro de seu escopo de interesse público.


O projeto de lei peca, porém, ao exigir que os fundos patrimoniais sejam constituidos única e exclusivamente como fundações, cuja estrutura é mais engessada e custosa, o que pode inibir a formação de novos fundos patrimoniais. A legislação precisa incentivar e motivar o estabelecimento de tal mecanismo. Para tanto, além do incentivo fiscal, é preciso que a lei preveja um contorno de governança leve e ao mesmo tempo seguro e eficiente. Para tanto, basta que a lei estabeleça a necessidade de criação de órgãos internos capazes de gerir com capacidade técnica os recursos financeiros, tanto para gerar altos rendimentos quanto para gerar alto impacto social, assim como órgãos de controle, monitoramento e fiscalização, e obrigações de transparência.


Outro ponto importante seria a legislação prever que os rendimentos dos fundos patrimoniais sejam imunes ou isentos aos impostos federais sobre aplicações financeiras. Além de ser um direito constitucional, especialmente para os fundos destinados à educação, saúde e assistência social, isso seria um grande motivador para o investidor social migrar seus recursos financeiros, voltados à filantropia, de sua propriedade para a organização que irá gerir o fundo patrimonial, pois a aplicação deste recurso renderia, no mínimo, 15% a mais do que se continuasse aplicado em qualquer fundo de sua titularidade. Os recursos de um fundo patrimonial filantrópico auxiliam o Estado a cumprir parte de suas funções para com a sociedade e, por este motivo, não devem ser tributados.


Caso o projeto de lei seja aprovado com estas alterações, deverá impulsionar o número de endowments no Brasil. Fundos patrimoniais foram responsáveis por financiar contribuições importantes em todo o planeta. A Fundação Rockefeller, que conta com um endowment de US$ 4 bilhões, já fez doações a projetos de mais de 100 ganhadores de prêmios Nobel. A Fundação Bill e Melinda Gates, que possui o maior fundo patrimonial privado do mundo, de US$ 40 Bilhões, se propôs a erradicar a póliomelite no mundo e, com seus parceiros, está quase alcançando esse objetivo.


Muitas organizações da sociedade civil,  museus e universidades, sobretudo nos Estados Unidos e na Inglaterra, são em grande parte financiadas por endowments, um instrumento ainda não regulamentado no Brasil. Trata-se de um fundo destinado a sustentar parte ou o todo do orçamento de uma organização social, ambiental, cultural ou educativa, assim como a custear projetos inovadores e estratégicos que dificilmente atrairiam recursos em sua fase inicial. Os recursos não podem ser desviados para outras finalidades e, quase sempre, só são gastos os rendimentos, preservando a integridade do valor principal, para garantir a perpetuidade das atividades.


Estas estruturas permitem que organizações sejam perenes e realizem suas contribuições à sociedade de forma planejada e contínua. Com tais fundos, o trabalho dessas instituições não sofre em razão de oscilações na captação.  Países em condições semelhantes ao Brasil, como a Russia e China, já reconheceram a importância desses fundos e criaram legislações específicas. O caso da França, que conta com uma lei promulgada em 2008, demonstra o impacto positivo que a iniciativa pode trazer. No primeiro ano após sua aprovação 230 endowments foram instituídos, incluindo o fundo patrimonial do Museu do Louvre.


Também é preciso destacar que, além das contribuições nas áreas sociais, ambientais, culturais e educativas, os fundos patrimoniais colaboram para o desenvolvimento do mercado financeiro. Os endowments, por sua natureza de longo prazo, foram pioneiros no investimento em novas classes de ativos como os fundos de venture capital e private equity e, mais recentemente, nos fundos de investimento de impacto, que apoiam negócios com impacto socioambiental. Portanto, contribuem para o desenvolvimento do mercado de capitais, o que, para um país como o Brasil, é estratégico. Precisamos de mais investidores de longo prazo, que apoiem projetos de infra-estrutura e fortaleçam o empreededorismo. Os endowments são um caminho importante que deve ser incentivado pelas autoridades do nosso país.

* Paula Jancso Fabiani é diretora Presidente do IDIS-Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social e Priscila Pasqualin é sócia da área de Filantropia e Investimento Social de PLKC Advogados

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