População dos houthis se manifestam contra os sauditas
Reuters
Países que conhecem a História, sabem que muitas vezes ela se repete e, para evitar perder terreno, se previnem. Mas no Oriente Médio, a história se repete de uma maneira ainda mais irracional. O que motiva as atuais divergências entre Arábia Saudita e Irã, que têm se ameaçado mutuamente, são três fatores: o religioso, o econômico e o armamentista. Mais do que os três, porém, há um outro que os utiliza como pretexto sempre que convém: a luta pelo poder.
E muito em função desse quadro, a violência local cresce a cada dia, principalmente na Síria, que permanece em guerra civil, que já matou mais de 470 mil pessoas. No Iêmen, outro foco sangrento se perpetua há mais de dois anos, na guerra entre os houthis, xiitas que se sentiam discriminados, que detêm o controle de parte do país, e o governo do presidente Abdrabbuh Mansur Hadi, apoiado pelos sauditas, cuja sede teve de se transferir para Aden, já que a capital Saná está sob controle dos rebeldes. Mais de 12 mil pessoas morreram no conflito.
Esse jogo de poder é induzido pelos próprios interesses de cada país, fruto de uma visão egoísta, a qual, quando não controlada, fomenta o instinto humano desde que as primeiras sociedades se organizaram. Desde que o homem entendeu erradamente que guerra e ameaça eram os instrumentos mais fáceis de obter algo do outro, na opinião do professor de inteligência da Fipe (Fundação Estudos de Pesquisas Aplicadas), Ricardo Gennari.
— Existe a luta pelo poder, mas cada um tem sua forma de entender o seu poder. Israel e Arábia Saudita, por exemplo, têm interesse no apoio do Egito, agora novamente sob governo militar. Estamos vendo, depois de muito tempo, o ressurgimento de estratégias na região. Mas são estratégias que visam interesses individuais de cada país e não há espaço para interesses coletivos.
O jogo de xadrez em busca de apoio levou, portanto, Irã e Arábia Saudita a formarem uma complexa rede de tensões na região. Nações como Emirados Árabes, Catar e Iêmen são apoiados pela Arábia Saudita. Já outras como Síria, Iêmen e Iraque recebem apoio do Irã.
O Líbano, novo e ao mesmo tempo velho núcleo de conflitos, é dividido e apoiado por ambos. Egito e Israel são contrários ao Irã, mas Israel mantém uma posição de observador já que, mais próximo da Arábia Saudita, ainda não tem total confiança neste novo "parceiro". Em 2017, pela primeira vez, o governo saudita estabeleceu relações econômicas com Israel.
Do ponto de vista religioso, a Arábia Saudita, sunita, se opõe ao Irã, xiita, tentando fazer prevalecer na região, em algumas ocasiões, a sua visão do islamismo. O fator econômico, por sua vez, é baseado no petróleo, o que motiva as movimentações não só dos países da área como dos aliados, já que os Estados Unidos, apesar de manterem um acordo nuclear com o Irã, continuam próximos da Arábia Saudita, enquanto a Rússia está ao lado do Irã.
Do lado armamentista, enquanto o Irã sofre com o acordo nuclear e com sanções americanas, busca compensar se aliando aos russos, inclusive com a compra de armas. Isto estimulou o país a se fortalecer em outras frentes, com vitórias sobre o sunita Estado Islâmico na Síria e no Iraque, e sobre rebeldes sírios (inclusive apoiados por sauditas).
A outra questão é o petróleo. Justamente por não ser mais a primeira força petrolífera mundial (perdeu a liderança para os EUA) e temer as movimentações iranianas, manter o controle sobre outros países produtores na região se tornou ainda mais crucial para a Arábia Saudita, estimulada pela compra de armamentos dos EUA, a serem fornecidos pelos próximos 10 anos, por 1 bilhão de dólares.
No Oriente Médio, os países da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) somados totalizam a maior quantidade de petróleo produzido no mundo: mais de 25 milhões de barris por dia, segundo informações da CIA. A Arábia Saudita produz 10,1 milhões de barris, a segunda maior produção do mundo, atrás dos Estados Unidos, que já ultrapassaram 11 milhões por dia.
Dentro de sua estratégia expansionista, a Arábia Saudita, governada na prática pelo príncipe Mohammed bin Salman, resolveu mostrar um lado dito moderno da ditadura wahabita (que age de forma rígida contra qualquer ato considerado contrário às leis islâmicas), iniciando recentemente uma série de prisões por corrupção, para melhorar a imagem do país diante da opinião pública mundial.
A situação de Israel
Israel, devido às vitórias iranianas na Síria e no Líbano, cuja força crescente do Hezbollah, grupo considerado terrorista pelos Estados Unidos e países da União Europeia, acompanha de perto cada movimento. Para o país, não foi interessante a renúncia do ex-primeiro-ministro libanês, Saad Hariri, apoiado pela Arábia Saudita, que ficou altamente contrariada com a situação. Tal situação demonstrou que o Hezbollah e o Irã estão bastante atuantes nos bastidores do país.
Hoje, portanto, não são os assírios, sumérios, acádios, babilônios, filisteus, entre outros, que, desde 4 mil A.C, buscam se estabelecer nas terras áridas e montanhosas, regadas pelo vento que se insinua dos rios Eufrates, Tigre, Jordão e Nilo e do Mediterrâneo, acumulando uma fúria seca nas profundezas desta região, que era predominantemente chamada de Mesopotâmia.
Destes, a maioria se diluiu em outros povos descendentes e os únicos que se perpetuaram como povo foram os hebreus. Substitua hebreus por Israel e assírios e etc por Arábia Saudita, Síria, Irã, Iraque, Emirados Árabes, Catar e daí por diante e se percebe que a luta pelo domínio ou pela defesa na região, com a roupagem da tecnologia, continua similar.
A maior diferença, no entanto, é que Israel (antes os hebreus), sempre alvo de boa parte dos conflitos, agora se tornou novamente um observador. Isso já aconteceu em outras ocasiões, como na própria guerra do Golfo, em 1991.
Na época, o governo de Saddam Hussein, para provocar, tentou incluir Israel na guerra, lançando mísseis scuds sobre cidades israelenses. Inteligentemente, o governo do então primeiro-ministro Yitzhak Shamir, apoiado pelos Estados Unidos, não reagiu. Só iria fazê-lo em caso de extrema necessidade.
O mesmo vale para a atual situação. Estrategistas israelenses sabem que é muito possível o Irã, por meio do Hezbollah, iniciar um conflito militar com Israel. Gennari também considera essa possibilidade.
— Israel está como observador, para ver até onde a situação vai chegar. Estão tentando jogar Israel nesta fogueira, mas o governo israelense está atento, com toda a estratégia e a bagagem que tem. Israel já deixou de entrar em conflitos quando considerou esta a melhor solução.